O LINHÃO E SUAS MAZELAS – II
A Subestação da Linha de Transmissão, Manaus-Boa Vista, a ser instalada no Km
152 da BR-174, se destina a fornecer energia à pedreiras e à madeireiras que
são atualmente os maiores instrumentos da depredação nesta área e sem um
retorno para o município, além de arruinarem a rodovia, obrigando o povo a
pagar permanentemente uma empresa de manutenção. Do município saem diariamente
mais de 300 caçambas de minério sem fiscalização alguma. Além das pedreiras de
brita ao longo da BR-174, o minério vem do Pitinga, uma das maiores minas de minérios estratégicos
atualmente em atividade no mundo. Dela saem ouro, criolita, tântalo, ítrio, columbita,
zirconita, estanho ou cassiterita e outros. Desde 1981, todos esses minérios
saem desta mina, como cassiterita ou estanho. Entretanto, basta acompanhar a
história da Paranapanema no Pitinga, para se constatar que não é só de
cassiterita que ela vive. Assim, por exemplo, no dia 21 de setembro de 1989 o
jornal A Crítica de Manaus sob o título “Matéria-prima não falta em Pitinga”
noticiava: “Segundo o cel. Nelson Dornelles, assessor da presidência da
empresa, a Mineração Taboca pretende, ainda, iniciar a exploração de outros
minérios existentes na área como a columbita e tantalita, nióbio e terras
raras. O custo do investimento, segundo Dornelles, é difícil de ser explicitado
em valor estático, ‘embora possamos afirmar que até hoje já foram investidos
mais de 180 milhões de dólares de recursos próprios da empresa nesse projeto,
de 1982 até hoje” ao revelar que para este ano o nível de investimento está
previsto para mais de 45 milhões de dólares e, nos anos subsequentes, os níveis
de investimentos serão condizentes com os objetivos de ampliação do complexo.”
E o jornal Amazonas em Tempo de 3 de janeiro de 1992, sob o título
“Paranapanema investe US$ 22 milhões para produzir Criolita no Pitinga” refere
que a empresa objetiva “na implantação de uma unidade com capacidade para
produzir aproximadamente 25 toneladas
por ano de criolita natural, um mineral utilizado como insumo pela indústria de
alumínio e de abrasivos.” Refere ainda
que o investimento colocará o Brasil em uma posição de destaque no cenário
mundial, uma vez que o país poderá tornar-se o único produtor mundial do
minério. A única produtora mundial deste mineral, a Groenlândia, paralisou suas
atividades em 1989, devido a exaustão de suas reservas”. “Dentro de seis meses
a Paranapanema terá concluído os estudos de pré-viabilidade técnico-econômica
para a exploração comercial da reserva”. Até hoje não apareceu nem o volume
explorado e muito menos quanto foi pago em royalties e impostos. Mas pode
alguém crer que não houve nenhum retorno para a empresa além do estanho ou
cassiterita com tanto investimento feito?
No
dia 27 de setembro de 1989 o vereador Serafim Corrêa denunciou: “em 1987, a
Paranapanema faturou com a nossa cassiterita NCZ$ 1.789.500.069,00 (um bilhão
setecentos e oitenta e nove milhões e quinhentos e sessenta e nove mil cruzados
novos), enquanto a Prefeitura de Manaus, para dar de comer, beber, vestir,
educar e cuidar de uma população acima de um
milhão e trezentos mil habitantes recolheu NCz$ 1.300.000.000,00, ou
seja, 37,61% a menos. É, portanto, uma cidade dentro da outra”. (Diário do
Amazonas – 27-09-89).
Um dia ouvi o Prefeito de Presidente Figueiredo se
queixar na Câmara Municipal da nova direção da mineradora, hoje em mãos de
estrangeiros, que a mesma já atuava há mais de um ano no município sem sequer
se ter apresentado ao mandatário do município. E, na mesma oportunidade,
um vereador afirmou que as firmas que exploravam as pedreiras no município não
pagavam imposto algum, deixando apenas os buracos na estrada.
Sobre
os minérios que saem da mina do Pitinga não existem registros nos informativos
nacionais e mundiais. E não existe fiscalização alguma, como refere o geógrafo
da Universidade Federal do Amazonas, Professor José Aldemir de Oliveira em sua
tese de doutorado, “Cidades na Selva”. Escreve o Prof. José Aldemir:
[...]
“o volume arrecadado parece estar aquém do devido, em decorrência da sonegação
e da inércia do Estado que não criou mecanismos de fiscalização. Em 1991, a
Associação Profissional dos Geólogos do Amazonas estimou a perda de receita,
somente no projeto Pitinga, da ordem de US$ 63 milhões.”(p.176).
‘Um
funcionário da SEFAZ - prossegue José Aldemir - descreveu o mecanismo de
fiscalização: “Não sabemos na verdade quanto nem o que está sendo fiscalizado.
Mesmo que parássemos as carretas e fiscalizássemos, teríamos dificuldades para
identificar se o minério que a empresa diz ser cassiterita realmente o é. Então
não fazemos nenhuma fiscalização. Mensalmente, um funcionário da Taboca nos
telefona comunicando o número da guia e o valor correspondente que eles
recolheram ao Banco referente ao imposto.” (p.177).
E conclui:
[O]
“município de Presidente Figueiredo é sintomático, pois apesar de possuir o
maior percentual de arrecadação de todo o interior do Estado, a cidade que lhe
serve de sede nada tem, quer do ponto de vista urbanístico, quer do social, que
a identifique como tal, sendo tão pobre quanto as demais cidades do interior do
Amazonas. Esta contradição deve ser a base da análise dos grandes projetos na
Amazônia, especialmente porque é a partir dela que o espaço é produzido.
Há uma grande distancia entre os grandes projetos
desenvolvidos na Amazônia e as populações locais. No caso específico aqui
analisado, estabeleceu-se um processo de destruição da natureza e das relações
sociais preexistentes. Numa primeira visão, pode-se dizer que nada de positivo
foi introduzido na vida das pessoas. Ao contrario, retiraram-lhe parte das
condições de sobrevivência, não apenas econômica, mas também social, cultural e
política. “É como se elas não existissem ou, existindo, não tivessem direito ao
reconhecimento de sua humanidade” (OLIVEIRA, José Aldemir. Cidades na Selva. Valer: Manaus, 2000 (pgs. 178-179).).
Ora,
se a observação acima se refere ao controle de uma das mais importantes minas
do país, que tipo de controle realmente ocorrerá sobre as pedreiras e as
madeireiras da BR-174 que serão as favorecidas com a Subestação da Linha de
Transmissão Manaus-Boa Vista a ser instalada na BR-174 no Km 152? Assim o
Linhão, como a BR-174, são “veias abertas” da Amazônia e o nosso dinheiro vai
sendo utilizado para construir absurdos que desde a sua concepção contradizem
qualquer princípio humanitário.
O conceito de desenvolvimento na Historia Oficial, portuguesa e brasileira,
referente à Amazônia, tem ligação com a alienação dos povos da região, com o
(des)envolvimento de sua terra e com a transferência das riquezas
naturais para outras partes do mundo, sem objetivar o bem-estar da
população local e regional.
Casa
da Cultura do Urubuí, 23 de julho de 2014,
Egydio Schwade
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