Você não
sente nada? Entendi, você nem sabe o que é Belo Monte. Que país é este
Brasil, com uma sociedade hipócrita incapaz de dar um basta nessa
política podre. (foto ilustrativa estava no final do texto, mas povo nao
saber ler acredito nisto agora, porque não conseguiram ler isto no
final.)
Exemplos infelizes como a construção das usinas hidrelétricas de
Tucuruí (PA) e Balbina (AM), as últimas construídas na Amazônia, nas
décadas de 1970 e 1980, estão aí de prova. Desalojaram comunidades,
inundaram enormes extensões de terra e destruíram a fauna e flora
daquelas regiões. Balbina, a 146 quilômetros de Manaus, significou a
inundação da reserva indígena Waimiri-Atroari, mortandade de peixes,
escassez de alimentos e fome para as populações locais. A contrapartida,
que era o abastecimento de energia elétrica da população local, não foi
cumprida. O desastre foi tal que, em 1989, o Instituto Nacional de
Pesquisas da Amazônia (Inpa), depois de analisar a situação do Rio
Uatumã, onde a hidrelétrica fora construída, concluiu por sua morte
biológica. Em Tucuruí não foi muito diferente. Quase dez mil famílias
ficaram sem suas terras, entre indígenas e ribeirinhos. Diante desse
quadro, em relação à Belo Monte, é preciso questionar a forma
anti-democrática como o projeto vinha sendo conduzido, a relação
custo-benefício da obra, o destino da energia a ser produzida e a
inexistência de uma política energética para o país que privilegie
energias alternativas.
Ao amanhecer, o patrão disparou contra o
líder da aldeia e começou o tiroteio. “A floresta tremeu” e os índios
fugiram, deixando seus mortos. Apenas uma menina ficou. Cravou os
dentes com tanta força no peito de um atacante que precisou ser
degolada.
Cinco décadas depois, Benedito dos Santos recorda as
batalhas das quais participou como um dos seringueiros que invadiram,
desde o final do Século XIX, as florestas da Bacia do Rio Xingu, na
Amazônia oriental, enfrentando a resistência de alguns grupos indígenas e
convivendo e se misturando com outros.
Aos 67 anos, com 23
filhos dos 26 que teve com 14 mulheres, “Bião”, como é conhecido,
trabalha de barqueiro na empresa familiar que tem, com oito embarcações e
um atracadouro no centro de Altamira, a principal cidade às margens do
Xingu, com cerca de cem mil habitantes. Ele viveu todos os ciclos da
economia extrativista desta Bacia, desde que chegou, antes de completar
cinco anos, com sua mãe já viúva e três irmãos menores, procedentes do
Rio Moju, 350 quilômetros a leste, também no Estado do Pará, no Norte do
Brasil.
Diante das transformações que serão causadas pela
hidrelétrica de Belo Monte (que represará o Rio Xingu em dois pontos,
inundando ilhas, florestas e terras agrícolas), Bião diz estar “neutro”.
A decisão é dos poderosos, não importa a controvérsia entre defensores
e opositores da obra, afirma. Só espera que seja gerada renda para a
população local carente de emprego, e reconhece que já não tem o
protagonismo de antes, quando dependia da natureza para sobreviver.
“Fui criado com leite de pau”, brinca para ressaltar que em criança
aprendeu a tirar o látex da seringueira, além de ajudar a mãe e o
padrasto na agricultura. Virou seringueiro com 14 anos, se embrenhando
nas florestas do Médio Xingu com três grupos, quando já esperava seu
primeiro filho, após ter se dedicado a colher castanhas.
Aquele
ataque à aldeia foi resposta a sucessivos assassinatos de seringueiros,
cometidos por índios que, dessa forma, conseguiam armas de fogo, afirma
Bião. “Só no grupo do Isaac, mataram mais de 40”, assegura. Mas a
matança era recíproca. Os brancos acrescentavam um rito macabro:
enfiavam “pedras no bucho” dos cadáveres para escondê-los no fundo do
rio e evitar a repressão do Serviço de Proteção ao Índio.
Bião
sentia cada vez mais medo, inclusive pelas disputas internas. Uma
tarde, começou um tiroteio entre os seringueiros do acampamento, com
vários mortos. Ele evitava conflitos e desfrutava da proteção de seus
patrões por sua habilidade para caçar, que o fez fornecedor de carne e
pescado para seus companheiros.
No cerco à aldeia indígena,
após nove dias de marcha durante a qual desertaram dez dos 35 homens
mobilizados, o chefe o colocou “atrás de um tronco de embaúba, tão fino
que não aguentaria as balas”, recorda. Atemorizado, passou a noite toda
cavando um buraco usando “as unhas como enxada”.
O medo e o
barulho do tiroteio fizeram com que muitos homens desperdiçassem
munição. Substituíam cartuchos intactos, convencidos de que haviam
disparado, conta Bião. Vários índios morreram e apenas dois
seringueiros ficaram feridos, recorda. A aldeia foi incendiada. Depois
de nove anos no seringal e já com quatro filhos, voltou à “boa vida” de
Altamira. Além de perigosa, a atividade tinha pouco futuro.
A
Amazônia brasileira, que enriqueceu com a extração de borracha no final
do Século XIX e começo do XX, a partir de 1920 perdeu o domínio do
mercado mundial para a Malásia, onde as plantações de seringueiras
(Hevea brasiliensis) alcançaram rendimentos maiores.
Bião e
seus companheiros se beneficiaram dos bons preços do pós-guerra, mas o
Brasil já havia caído para exportador secundário, dependente de
subsídios e eventuais bolhas de demanda, como por ocasião da Segunda
Guerra Mundial (1939-1945), quando o Japão bloqueou as exportações do
sudeste asiático.
A “caça do gato” (onça), e de outros animais
de couro apreciados no mercado, passou de atividade intermitente a
principal fonte de renda para Bião. “Foi quando ganhei mais dinheiro”,
suficiente para comprar terrenos na cidade, disse. “Uma noite matei 30
jacarés, mas, eu e dois companheiros, não conseguimos tirar o couro de
todos. Dá muito trabalho”, contou. Agora, restam poucos desses animais
nas proximidades de Altamira, porque “as pessoas os matam para comer”,
mas continuam abundantes nas lagoas do Alto Xingu, acrescentou. Em
1967, uma lei proibindo a caça restringiu a atividade, embora sua
vigência na Amazônia seja relativa.
Bião também participou da
construção da malograda rodovia Transamazônica, iniciada em 1970.
Dedicou um ano a derrubar floresta para dar lugar ao projeto de três mil
quilômetros de extensão, destinado a unir o Nordeste à Amazônia. A
estrada, sem asfalto, é quase intransitável nos trechos que servem
Altamira. A obra atraiu uma nova onda migratória para a Amazônia,
estimulada por promessas e distribuição de terras a camponeses.
Aparecida Moraes é filha desse processo. Nasceu em 1971, um ano após
sua família chegar do Estado do Paraná, no Sul, “buscando terras”, e
acabou assentada na margem direita do Rio Xingu. Hoje, casada com outro
migrante do Paraná, vende banana, papaia e cereais na Feira do
Produtor, no centro de Altamira. Suas terras não serão inundadas por
Belo Monte.
Esta sorte não terá Sebastião de Castro Silva, de
60 anos e oito filhos, que cultiva cacau e cereais nos cem hectares que
obteve após chegar à Amazônia em 1977, procedente de Goiás. “Vou embora
da Amazônia se construírem a represa”, pois vai inundar 40% de sua
propriedade, impedindo de “manter juntos” seus 32 familiares.
Enquanto ocorria esta invasão camponesa do Médio e Baixo Xingu, na
década de 70, Bião dedicou-se ao garimpo. Foi à Venezuela em busca de
diamantes, mas logo foi detido e deportado, junto com outros garimpeiros
brasileiros. Descobriu ouro em Ressaca, perto de Altamira, em uma mina
onde ainda trabalham alguns de seus descendentes, e esteve por vários
garimpos, até escolher um no alto da Bacia do Rio Tapajós, paralelo ao
Xingu, mais de mil quilômetros ao sul de Altamira, no central Estado do
Mato Grosso.
“No garimpo se ganha muito, mas também se perde
muito, inclusive a vergonha, entre bebidas e putas”, lamenta Bião. Por
18 anos, até 2002, Bião explorou vários barrancos (áreas de garimpo) e
um prostíbulo, mas também trabalhou para uma madeireira, a Marajoara. A
extração ilegal de madeira ainda prosperava, sobretudo de mogno, árvore
preciosa cuja exploração está restringida desde 1996.
As
disputas eram violentas. Uma floresta de mognos no alto de uma
montanha, onde Bião chegara com sua equipe e seus tratores, despertou a
cobiça de um grupo competidor, cujo iminente ataque armado foi frustrado
com uma emboscada na qual morreram mais de 20 adversários. Bião teve
de fugir. “Minha cabeça valia cinco quilos de ouro”, explicou. Voltou a
Altamira, atraído por seus filhos.
Já a vida de barqueiro, em
um Xingu povoado de ilhotas submersas e quedas d’água ocultas nas
cheias, também tem seus riscos. Há dois meses, Bião sentiu que o mundo
“escurecia muito rapidamente”, quando um redemoinho o tragou juntamente
com sua “voadora”, pequeno barco a motor que “voa” sobre as águas.
Sobreviveu nadando mais de uma hora e ficando em cima de uma árvore por
outras 11 em meio à correnteza.
É sobrevivente de um modo de
vida que, como o Rio Xingu, se desfigurará com a construção da
hidrelétrica de Belo Monte nos próximos cinco anos. As obras empregarão
18.700 trabalhadores e gerar 80 mil empregos indiretos, com uma
previsão de que atrairão cerca de cem mil migrantes para municípios que
não têm mais do que 150 mil habitantes. Além disso, por fim, a
Transamazônica será asfaltada, rompendo um relativo isolamento do Médio
Xingu.
Um empresário de Goiânia, capital do Estado de Goiás,
2.300 quilômetros ao sul por rodovia, começou, há pouco tempo, a comprar
pescado em Altamira, que transporta em caminhão em quantidades de 600 a
800 quilos até sua cidade, segundo Gilvan de Almeida, que há 12 anos
vende pescado na Feira do Produtor. Com asfalto, Altamira se integrará
ao resto do país e, provavelmente, haja o desenvolvimento da pesca
industrial no Xingu, afetando o abastecimento local e a abundância de
peixes neste grande rio e em seus afluentes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário