Diariamente nos
telejornais brasileiros aparecem imagens de mortos em Manaus por covid-19 sendo
enterrados em valas comuns. A Assembleia Legislativa aprova o que bem entende e
o governador fica sem força para vetar pois, se barrar algo sensível aciona
também o gatilho para que a maioria dos 24 deputados da Casa cassem seu frágil mandato.
Campo
de Azulão, da Eneva, onde a empresa explora gás natural no Amazonas
Em 2017, o TSE cassou o mandato da chapa completa que governava o Estado. Em agosto daquele ano, foi eleito para o primeiro mandato tampão Amazonino Mendes, político controverso e muito contestado com histórico de administrações suspeitas em relação a verbas publicas.Lima era jornalista de profissão e apresentador de programa de noticiário policial na TV até 2018. Foi um dos inúmeros políticos eleitos na onda de renovação registrada em várias regiões do Brasil. Inexperiente, sem projeção alguma e patrocinado pela rede ‘a Crítica’, ficou sem uma base de apoio sólida na Assembleia e no comando de primeiro Estado desolado depois de sucessivas administrações desastrosas e enquadradas pela Justiça.
O
Amazonas estava quase abandonado quando Wilson Lima assumiu o mandato em
janeiro de 2019, com suas contas dilapidadas: deficit de R$ 1,5 bilhão no
Orçamento e dívida de R$ 857 milhões para ser liquidada em 12 meses. Tudo
piorou quando no 2º semestre de 2019 Wilson Lima foi impactado pelo aumento do
desmatamento e queimadas da região amazônica de maneira geral em meio ao fogo
cruzado contra Jair Bolsonaro. O dano de imagem foi enorme na mídia no Brasil e
no exterior.
Agora
em 2020, com a crise da SARS covid-19, o governador ficou ainda mais
fragilizado ao demostrar atos administrativos suspeitos e negligentes. Há
grande visibilidade na mídia nacional dos mortos sendo despejados em valas
comuns e contratos desnecessários de aquisição de bens superfaturados e
alugueis suspeitos com abandono de equipamentos públicos.
A
degeneração do quadro piorou ainda mais quando políticos locais enxergaram uma
possibilidade de derrubar Wilson Lima em meio à atual crise. Neste ano, o
governador já enfrentou um pedido de impeachment. Conseguiu sobreviver no
cargo. Mais quatro pedidos foram protocolados e aguardam tramitação. Em meio à
pandemia de SARS covid-19, a Assembleia Legislativa aprovou o mais controverso
de todos os projetos de lei, que muda completamente o mercado de gás no Estado.
O Amazonas é o maior produtor de gás natural em terra firme no Brasil. Esse
insumo é vital para a economia local bem como, para a sobrevivência da empresa
amazonense de gás, a Cigás esta também ligada e com forte influência de políticos
locais. A nova lei ainda depende de sanção no início de maio, daqui a cerca de
uma semana. A regra na superfície é simpática. Acaba com o monopólio da
distribuição e gás (a cargo da Cigás) e isso em teoria traria mais energia para
os consumidores e a preços supostamente menores, por causa da competição. Na prática,
nada disso vai acontecer. A lei foi desenhada para ajudar a uma grande empresa,
a Eneva, a maior operadora de gás natural no Brasil e que tem entre seus
acionistas o BTG Pactual e o Fundo Cambuhy (do banqueiro Pedro Moreira Salles,
do conselho do Itaú Unibanco). A Eneva tem direito de explorar um poço de onde
extrai gás natural no centro do Estado do Amazonas. Construiu também uma
termelétrica em Roraima (a usina Jaguatirica, que entra em operação em 2021).
Com a nova lei, livra-se da Cigás e vai levar sozinha o gás do subsolo até a
produtora de energia. Isso pode parecer ótimo, mas o resultado é bom apenas
para a Eneva.
Hoje,
antes de a nova Lei do Gás do Amazonas entrar em vigor, a Cigás tem o direito
ao monopólio da distribuição. Investiu bilhões ao longo dos anos em dutos e
tubulações para levar o gás a pequenos, médios e grandes consumidores. Fica com
17% do que é arrecadado na tarifa sobre esse valor bruto incidem impostos,
pagamentos de contribuições (PIS/Cofins) e o custo de operação e manutenção do
sistema. A margem de lucro no mercado de distribuição fica em torno de 4% do
que é cobrado dos consumidores. Ocorre que ao derrubar o monopólio da
distribuição do gás do dia para a noite, a Assembleia do Amazonas provoca, de
uma vez só, o seguinte: Insegurança jurídica – como existe previsão
constitucional para que as companhias de gás de cada Estado tenham o monopólio,
cria-se um passivo jurídico que algum dia vai parar no Supremo Tribunal
Federal. Quem vai desejar investir nessas condições no setor? O próximo grupo
político que assumir o Amazonas pode simplesmente mudar novamente a lei; Dilapidação
do patrimônio público – todos os Estados desejam se desfazer de suas empresas
estatais. No Amazonas não é diferente. Ocorre que o valor da Cigás é alto
enquanto a nova lei não entra em vigor. Depois, haverá enorme degradação e a
companhia será precificada por um fiapo do que poderia ser nas condições
atuais. Em resumo, os deputados estaduais amazonenses estão liquefazendo o
dinheiro de todos os cidadãos do Estado que são também donos de parte da Cigás.
A
Assembleia Legislativa do Amazonas não contou essa história para o povo
amazonense. Ao contrário. Gastou dinheiro em publicidade no Grupo Globo,
comprando espaço no site G1, para falar sobre os supostos benefícios da nova
Lei do Gás. Nesse sentido a Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras
de Gás Canalizado divulgou documento detalhado no qual descreve
inconstitucionalidade e inconsistências no texto aprovado: Desconsidera Lei do
Gás federal – o texto amazonense não leva em conta o que estabelece a lei
11.909/2009, que regula as competências estaduais e federal no mercado de gás
nacional; Vício de origem – a Assembleia Legislativa do Amazonas não pode
estipular o valor fixo da taxa de regulação, cobrado para a distribuição de
gás. A Lei do Gás amazonense também trata de temas relacionados ao Orçamento,
mas essa atribuição é exclusiva do Poder Executivo; Ignora órgão regulador – a
Companhia de Gás do Amazonas (Cigás) está submetida aos comandos regulatórios
da Agência Reguladora de Serviços Públicos e Delegados e Contratados do Estado
do Amazonas (Arsepam), que tem o poder regulatório, fazendo o acompanhamento,
controle e fiscalização dos serviços concedidos (art. 6º da Lei Estadual nº
2.568/99).
Para
o deputado propositor do projeto de lei, Josué Neto (sem partido), que é o
presidente da Assembleia Legislativa, “o assunto tramitou dentro do que prevê o
regimento e passou pelas comissões da Casa: Comissão de Constituição e Justiça
e pela Comissão de Recurso Natural e Gás Natural. Portanto, atendeu o
regimento”. Para Wilson Lima, o projeto da Lei do Gás “que trata da abertura do
mercado, não pode ser aprovado de qualquer jeito, sem que haja uma discussão
mais profunda, um envolvimento e a opinião dos técnicos do Estado, da Cigás,
das empresas interessadas”. Sobre os processos de impeachment, disse se trata
de “movimento político em momento inoportuno”. Para Lima, tal iniciativa tem
impacto negativo na administração pública, quando todos deveriam concentrar
energias para combater o coronavírus.
Os
políticos, em algumas regiões do país, mostram que podem ser ainda piores do
que a covid-19. O Amazonas está puxando a fila.
Fonte:
PODER360