terça-feira, 30 de dezembro de 2014

FELIZ ANO NOVO!

FELIZ ANO NOVO!

São os votos do Blog Portal Terra das Cachoeiras.


Sobre um feliz ano novo

Publicado em 28.12.2014
Outro dia, encontrei um amigo na rua e perguntei: “Tudo bem?” “Tudo”, respondeu. “Comigo, tudo, mas o país, você sabe …” Aquilo não me pareceu estranho. Era como me sentia. Tudo bem no âmbito pessoal, um certo desencanto com o Brasil. Vejo agora que isso acontece em escala maior. Pesquisas indicam que estamos otimistas com nossas vidas e bastante céticos quanto à política nacional.
Quando é que essas linhas vão convergir? É uma das perguntas que faço. Até que ponto as peripécias políticas vão envenenar nosso cotidiano? Ou até que ponto nosso otimismo pessoal acabará transbordando no universo político?
No meu caso, o sucessivo aumento do dólar dificulta os sonhos de acompanhar uma indústria que se move com uma velocidade vertiginosa.
As câmeras servem para reproduzir a realidade. Quanto mais modernas, mais capazes de transmitir uma decapitação no deserto, o massacre de crianças pelo Talibã, o pouso de um robô num cometa. Elas registram tudo com uma frieza algorítmica.
Em outras palavras, o progresso técnico apenas revela também o lado tenebroso da Humanidade. O filme americano “Blade Runner” foi uma boa antevisão disso tudo. Progresso e barbárie andaram juntos em 2014.
Não há razão para desespero. No Brasil, a operação Lava-Jato lançou luz sobre o escândalo do Petrolão. O próprio juiz Sérgio Moro chamou a atenção para a existência das mesmas práticas em outros setores, além do petróleo.
Um dos ex-diretores da Petrobras, Paulo Roberto Costa, foi mais longe e disse que a corrupção estava presente em todas as dimensões da atividade pública.
Não demorou muito, o jovem prefeito de Itaguaí, Luciano Mota (PSDB), confirmou essa tese: usava uma Ferrari amarela para se deslocar na cidade, tinha televisões com telas gigantescas, esbanjava dinheiro. Possivelmente, royalties do petróleo.
O juiz Sérgio Moro colocou a possibilidade de combater esse processo e reduzi-lo, radicalmente. Mas juízes e procuradores não resolvem sozinhos. Será preciso um esforço nacional.
Depois de uma Copa do Mundo e de eleições presidenciais, o país parece estar um pouco inseguro sobre sua identidade. Ainda ecoam os gritos de gol da Alemanha, naquele célebre 7 a 1.
Eo processo político foi pós-moderno. A palavra-chave era desconstrução. E a teoria vitoriosa, a de que não existe verdade, apenas versões.
Os eleitores de Dilma cobram coerência. Gente da oposição, também. Mas o curso da campanha avisava com muita nitidez: não há coerência, apenas táticas para vencer.
Gostaria de analisar outros discursos, outras retóricas. Mas Dilma é a presidente do Brasil. Ela declarou solenemente: alguns diretores da Petrobras foram colhidos pelo combate à corrupção.
Interessante como ela transforma o processo num fenômeno quase natural. Choveu, e algumas casas foram derrubadas. Passou um bonde contra a corrupção e acabou levando alguns diretores da empresa.
Sabemos que não é bem assim. Havia um esquema político manipulando os diretores da Petrobras. Quando uma gerente quis denunciar o processo de superfaturamento, Paulo Roberto Costa, mostrando o retrato de Lula e a sala de José Sergio Gabrielli: “Você quer derrubar tudo?”
Com dados abundantes, a Operação Lava-Jato demonstra uma corrupção sistêmica. No discurso de Dilma, tentados pela fortuna, alguns dirigentes da Petrobras foram colhidos pelo combate à corrupção. Um fato isolado, o Brasil não vive uma crise ética, conforme ela mesma declarou a jornais latinos.
No momento em que o mundo dá suas voltas, isso só faz atrasar nosso passo. Parece que fomos condenados a cantarolar indefinidamente: “Mentira, foi tanta mentira que você contou”.
Se assumissem sua responsabilidade, poderíamos discutir coisas mais sérias. Como sair dessa enrascada, por exemplo?
A queda de 77% nos títulos de empresas brasileiras no exterior mostra como a economia nacional foi atingida pelo escândalo da Petrobras.
Estamos felizes, crianças crescendo, os amigos, a vida familiar em paz, um trabalho. Mas até que ponto uma parte dos brasileiros estaria mais feliz ainda se pudesse contar com um sistema que ela ajuda a sustentar?
Com a aspereza de uma crise econômica e eclosão de um grande escândalo, não sei como vai se desdobrar nossa equação de felicidade.
Da minha parte, sobretudo neste momento do ano, desejo toda a felicidade do Butão, aquele pequeno país asiático que tem a felicidade, e não o PIB, como alvo de crescimento.
Em termos de crescimento econômico, não espero tanto do Brasil em 2015. A brecha para se aumentar a felicidade é desvendar, punir e reformar um sistema de corrupção que os brasileiros já não aceitam.
Um ano novo não rompe simplesmente. Ele precisa ser construído. Desatar o nó da corrupção sistêmica é dificílimo. Ainda bem que estamos felizes. Por que não tentar?
Artigo publicado no Segundo Caderno do Globo em 28/12/2014